Salamandra

Senti minha cama pegar fogo. Era um calor tremendo. Não entendi o porquê. Tirei as cobertas, liguei o ventilador que rangia e o calor somente aumentava. Tirei todas as minhas roupas, peça por peça, até sobrar somente eu, inteiro, intacto. Fervendo. Olhei ao redor, o quarto estava até vermelho, era como se eu pudesse imaginar como seria dentro de um forno elétrico. Resolvi levantar. Angustiado. Vermelho. Olhei embaixo da cama, havia um casulo. da cor de sangue. Não me importei.
No outro dia, o quarto estava mais quente. E quando olhei para a parede da única janela que há aqui, vi uma larva vermelha com todas as suas centenas de pés. Subiu e o calor fervilhava. A larva rubra subiu, e subiu. E parou na divisa entre o teto e a parede. Sua cabeça era horripilante... eu sabia que poderia cuspir fogo a qualquer momento. Não ousei tocá-la. Novamente  conferi embaixo da cama e o casulo ainda estava lá.
Dormi transpirando. Estava mais calor. Sem roupas eu respirava ofegante. Abri a janela, o vento que estava frio ao entrar queimava meu rosto. Minha cama tremeu. Olhei era o casulo que se mexia. E a larva vermelha se dependurou no meu teto feito acrobata num número em chamas.
Quando acordei, olhei para minha mesa logo abaixo da ígnea janela. Lá estava uma cabeça monstruosa, era a cabeça da larva que havia caído. Minha cama tremeu. O casulo se movia. Olhei para o teto e um casulo alaranjado havia se formado.
A cabeça evaporou-se de minha mesa como cinzas que ficaram espalhadas pelo chão que queimava meus pés, como numa panela ao fogo. Dancei um tango escaldante. Me assoprei e me abanei. Não adiantava, o ar estava quente. Olhei no espelho e meu rosto estava todo vermelho, meus lábios ressecados, feridas se abrindo e sangrando. Em volta dos meus olhos cascas de feridas se espalharam, pústulas ofegantes se anunciavam. Toquei no casulo com o objetivo de arrancá-lo de baixo da minha cama, mas queimei meus dedos, bolhas enormes se formaram. Mal pude fechar a mão.
Minha cama tremeu, mais uma vez. E por outra vez o casulo se movimentava.

Havia me acostumado ao tom vermelho de meu quarto ou era meus olhos que sangravam? Não saberia diferenciar. O inferno proeminente que me encontrava se tornou até um céu de calmaria, minhas garras já resistiam mais ao fervor. A cama tremeu e ouvi um baque. Tremi. Não dançavam mais aquele tango flamejante porque havia uma grossa casca em meus pés. Olhei para debaixo da cama e tudo ficou claro: do casulo saiu uma salamandra. E ela me olhou terna, um bebê-salamandra. Sorri, meus dentes agora crescidos assustavam a qualquer mortal, mas não a ela. Meu teto tremeu. O novo casulo se mexia.
Na outra noite, não senti o calor, mas meus livros pegaram fogo, meus aparelhos eletrônicos estavam todos retorcidos. As roupas já não me cabiam, devido às asas que cresceram nas minhas costas. A salamandra saiu debaixo da cama e se enroscou no meu pé. Seu calor não me incomodava mais. Sorri.
No espelho só havia um demônio com uma salamandra enrolado na coxa. Eu havia sumido há alguns dias. Saí incólume de toda aquela situação. Acariciei o outro casulo e ele se movia, não havia mais necessidade de arrancá-lo e atravessá-lo pela janela. Juntei as cinzas de sua cabeça e sorvi pelo nariz a me drogar com todo aquele fervor.
O teto tremeu, e o casulo se rompeu. Segurei a nova salamandra na queda. Ela me olhou agradecida. Sorri outra vez... percebi que minhas garras estavam maiores, quase a machuquei. Ela se enrolou imediatamente em meu braço.
Já não precisa de mais nada que havia no meu quarto, minha cama agora era carvão, minha mesa se desfez e todos os quadros havia se desfigurados. Meu autorretrato? Agora era uma bolha irreconhecível.
Sorri mais uma vez, meus dentes roçaram em meus lábios, mas minha pele era tão dura que nem senti seu espetar. Sentei, as duas salamandras se acomodaram melhor em meus membros. Estava nu e era como se fosse daquela forma singela o tempo todo. A verdade se revelou sob a forma de derretimento. Senti-me profundamente eu. Quebrei o espelho porque ele mentiu cruelmente para mim todos estes anos.


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