eco

William Blake
a manhã se desfaz nas rugas da pele
frescor pontual dos pés ao mais longo fio de cabelo
surgem as baforadas indesejadas de alegria
na pretensão do sol nascer pela janela

esfacela teu corpo de encontro ao meu

na imensidão clara das intenções
os raios iluminados dão de cara no vidro
se revoltam contra toda a luz incandescente do dia
e, por falta de opção, rumam para outros campos
quem sabe lá haverá abelhas operárias suficientes para ovacionar sua presença

esfacela teu corpo de encontro ao meu

não há necessidade de amanhecer
ali dentro o sol já parecia irradiar
da ideia insistente de se iluminar com uma única alegria fugaz
ao mesmo tempo que é incapaz de se manter em pé
nunca terá luz própria 
somente o astro flamejante é autossuficiente... para os olhos dos homens
pois quem precisa de luz para amanhecer são os sorrisos alheios

esfacela teu corpo de encontro ao meu

o campeão da satisfação está imune diante de toda essa luz finita
olhará para o lado e encontrará a paz
é mais um iludido diante da possibilidade de ter
e que nunca poderá existir

esfacela teu corpo de encontro ao meu

mas seu próprio sorriso anoitecerá as possibilidades
e se arrependerá
deveria ter aberto a janela
permitido o sol entrar
permitido o fantasma sair
não, e agora ele repete insistentemente

esfacela teu corpo de encontro ao meu

inocente... acreditou nas histórias para dormir
e não percebia que seria soterrado ao som de sua agonia
o eco paranoico já o avisara de tudo o que deveria saber

esfacela teu corpo de encontro ao meu
e finalmente descance no colo
morto do teu desejo

por um instante, sonhou, na audácia ineficaz, de se unir ao fantasma
ousou pensar em levantar sua mão
atender ao pedido
mas a ironia dentada o fez hesitar

esfacela teu corpo de encontro ao meu
e se una a única e possível verdade
só há teu corpo e o meu

fechou os olhos, desejou lembrar das promessas
mas era o rosto do fantasma que ali insistia
sorridente e capaz de preencher a presença vazia

esfacela teu corpo de encontro ao meu