Perscrutador da fenda do céu

E nasceu o homem,
filho desnecessário da desvirtude.
Apontou o dedo para o céu
e lá viu e contou as estrelas,
banhou-o a chuva meteórica...
Não resistiram ao seu enumerar.

Fechou o olhos
e cortou o céu com os dedos,
do boreal ao austral.
Varreu as estrelas das suas posições
rasgando o céu em duas metades.
E abriu precedentes.
Elas se entreolharam.

Por fim, dormiu o homem
justo e consciente do seu pecado.
Protegeram cada uma sua metade,
imputaram seus próprios desejos,
brindaram cada uma sua vitória,
perderam cada uma sua batalha.

Abriu o olho esquerdo e viu a chama,
voltou-se para a fenda do céu.
Suspirou largamente e riu-se.
Ressonou com um olho aberto.
Em cinzas converteu-se todo o ocidente.
As florestas correram descabeladas.
Não queria acreditar na chama,
fechou o olho e descansou.

Mais uma vez caíram do céu
tentando salvar o que lhes restaram.
Silenciosa, a bomba estourou
e o vento mutilou o seus cabelos.

Abriu os olhos para o rasgo do céu,
lá viu a verdade e cegou-se.
Queria costura-lo com as lágrimas,
pressionou com as mãos, mas não...
A verdade era intragável,
a fenda abriria-se um dia ou outro.
Ele só apressara o inevitável.
Só olhou para o olho que já o olhava.

Fechou o olho esquerdo,
o oriente já era um deserto.
Desesperou em estrelas cadentes,
queria ser senhor de um reino já reinado.

A canção do escritor


Um espadachim e um livreiro se veem pela primeira vez numa praça. Eles se olham e se amam. Mas eles não podem se olhar ou se amar. O mundo não permite. Então, eles andam lado a lado, na direção de um vale. E lá se olham e se amam, mas não podem se amar. Os olhos não deixam. Uma lágrima cai dos olhos do livreiro. Uma lágrima cai dos olhos do espadachim. Eles se olham e se amam. Mas o vale não os permite amar. Eles pegam um na mão do outro. E outra lágrima cai. E outra e outra e outra. De mãos dadas enchem o vale. Formam um lago e do lago escorre um rio inteiro. Um rio de não se permitir amar. Hoje, eu estou a beira do lago, olho para dentro da água e vejo dois rostos encostado um no outro. Eles não puderam se amar. Olho minha imagem refletida no lago, ela escorre pelo rio. Choro e preencho o lago com minhas lágrimas. Volto meus olhos para o horizonte, e lá há um pintor e seu cavalete, e uma lágrima. Ele faz o meu retrato. Eu o olho e o amo, mas ele não pode me amar. Há um lago de diferença entre nós. Choro e minhas lágrimas preenchem o lago, escorrem pelo rio. O que fazer a não ser pular no lago? O que fazer a não ser segurar a lágrima que escorre do rosto do livreiro e do espadachim?

Liberdade - Keren Ann (tradução)

a Léo e Felipe



Querido, tive tudo em minhas mãos,
corri pela enseada,
caminho perdido do tempo,
e deixei tudo afundar na areia,
viajei pelas estradas,
viajei pelo coração da terra.

Uma noite, encontrei a mim mesmo perturbado.
Beberiquei veneno e vinho,
ofusquei cada luz e beijei muitas bocas,
e cai adormecido sem nenhuma culpa.
Quando acordei já estava velho, bêbado e perdido.

Então, eu flutuei com o vento setentrional

Banhado pelo sol,
chacoalhei as mãos sensíveis do homem tolo e sábio.
Eu acredito que ele está pronto para nascer...

Quanto mais eu flutuo, mais eu prometo o sol...

Castelos nas dunas

a Tânia

Sobre as dunas, ergo castelos de areia.
Se vão, não me importa,
construo-os interminavelmente.
São eles minhas reais ilusões.

Sonhava vago. Subia picos, atravessava cerrados e entrava por florestas tropicais. E ali permanecia. Viver só com seus pensamentos e seu desejo de integrar-se a terra por onde passava. Queria ali permanecer, mas não conseguia, um hora hora ou outra o dia amanhece e alguém há de buscá-lo: "Jorge, está na hora de acordar". Muitas vezes eram conhecidos com quem tinha conversado naquele mesmo dia ou mesmo fantasmas do passado. Acordava com um gosto amargo na boca, meio decepção meio bactéria que só se reproduzem em sonhos distantes. Não era o relógio que o despertava, não precisava deles, suas ocupações só começavam depois do almoço se estivesse com vontade de se ocupar-se delas. Estudou e praticou tanto para isso, para não se preocupar com chefes ou horários. Era dono de si e não permitia influências alheias em sua pacata vida.
Levantou-se e dirigiu-se para a cozinha de seu apartamento, precisava de um café para começar o dia. A água esquentou com um cigarro acesso em sua boca, enquanto colocava o pó no filtro, apagou a bituca para despejar a água sobre o pó. Os elementos se misturavam para formar aquele líquido que o permitiam acordar por completo, que retiravam de seus pés o barro que carregava de seus sonhos. Abriu a agenda e consultou seus afazeres, adiou dois deles para a próxima semana para poder ter tempo para ir a livraria, precisava de dois livros que ouvira falar na noite anterior para terminar o texto em que estava trabalhando.
O banho matutino era um ritual completo de higiene pessoal e contemplação física. Cuidava tanto de sua pele e de seu rosto que pareciam jovens apesar da idade que já tinha. Escolheu a roupa para o dia e partiu para o centro da cidade para tomar o café-da-manhã. Parou um instante diante da sua porta de entrada, viu que por baixo da porta branca lisa havia um envelope. Virou e revirou o envelope e não havia um remetente. Abriu-o e retirou um papel com o seguinte inscrito: Unruhe. Riu-se, deveria ser a menina do bloco ao lado com quem conversara em alemão dias atrás e saiu.
Sentou-se do lado de fora do café costumeiro, o garçom já sabia o que trazer, apenas confirmava com um olhar para saber se haveria alguma mudança no pedido, mas nunca houve, nem haveria. Enquanto colocava a xícara de café na boca, viu um menino de rua correndo, roupas rasgadas e curtas para o tempo ameno que fazia, logo foi seguido por um jovem bem vestido e esbaforido que o perseguia. As pessoas que se sentavam no mesmo ambiente curiosas com o fato acompanharam o ocorrido com um pequeno gosto pelo o que os tiram de sua rotina lobotomizadora. Jorge não se moveu, estava mais interessado no pão de queijo a sua frente.
Comprava o jornal na banca ao lado do café e ali mesmo lia a primeira página com desinteresse. Mais uma notícia sobre os estragos provocados pela chuva dos últimos dias. Não entendia porque as pessoas poderiam construir casas em locais que certamente eram inapropriados. Colocou o jornal dentro da sua mochila e subiu a rua. Quatro quadras acima entrou no primeiro prédio comercial e escolheu o terceiro andar no elevador. Duas outras pessoas entraram logo depois de escolhido seu andar. Elas falavam da enchente que derrubou uma ponte que deixou ilhada algumas centenas de pessoas no interior do estado. Olhou para dentro de si: viu-se andando por um cerrado, sorriu. Disfarçou imediatamente ao perceber que os dois o olhavam com estranheza. Pedindo licença, saiu do elevador e seguiu para a recepção. Trocou algumas palavras com a secretária e entrou na sala principal do escritório.
Olavo recebeu-o com um abraço demorado. As palavras sobre a saudade não comoviam Jorge que logo se livrou do abraço e sentou-se no sofá a frente da mesa e abriu o jornal enquanto esperavam a secretária trazer o café. "Não entendo porque ainda compra jornal", Jorge fechou o jornal e olhou para Olavo. "Você não se importa com quantas pessoas morreram nas chuvas do último dia!" Pegou a xícara de café da bandeja que lhe foi oferecida. "Sempre viveu nesse seu mundinho separado de toda a realidade". Mexeu o café com a colherzinha e a deitou no pires. "Ontem, recebi uma proposta de traduzir as notícias de um jornal brasileiro para o inglês, acredito que deva aceitá-la". Jorge negou, alegando que os livros literários ocupavam demasiadamente seu tempo. "O pagamento é melhor, recebe por notícia traduzida..." Negou novamente, dizendo que assim ficaria pobre, visto que somente traduziria as notícias da tarde, se desse vontade, é claro. "Deveria se importar com um pagamento melhor! O que recebe nem dá para trocar de carro ou comprar um apartamento maior!" Sentiu-se ofendido, olhou para seu apartamento de dois quartos, um deles transformado em biblioteca repleta de dicionários e gramáticas e pensou em quanto estava satisfeito, lembrou de seu carro estacionado há dez quadras do prédio em que se encontrava e pensou em quanto não precisava dele, visto que só o utilizava para ir ao escritório duas vezes por semana. Visita desnecessária, visto que a fazia mais pela amizade que nutria pelo seu amigo e "chefe". "Como não precisa de um carro novo? O seu já deve ter problemas!" Os dois irritados um com o outro, fecharam-se cada um em seu café. Jorge quebrou o silêncio oferecendo um cigarro, que ambos fumaram na sacada do escritório. "Me preocupo com você, sabe disso! Esse seu jeito de viver me incomoda! Penso que um dia ficarei duas semanas sem te ver, e quando eu for até seu apartamento vou encontrá-lo pendurado numa corda. Não entendo como não se sensibiliza com os livros que traduz!" Batia as cinzas. "Choro com cada um dos livros que tenho em minhas mãos... E foi você que ajudou a provocar esse sentimento em mim!" Gargalhou e olhou para o amigo: "Meu trabalho é ler e verter, não é sentir! Se eu fosse chorar a cada parágrafo profundo eu demoraria o dobro do tempo para fazer o meu trabalho, assim quem não poderia comprar um carro novo seria você!" Olavo virou-se de costas e entrou para dentro do escritório. Minutos depois Jorge entrou, enquanto Olavo pegava seu paletó e sentenciava que almoçariam juntos.
O sermão continuou, e Jorge bocejava diante das palavras do amigo. Percebendo que dali não conseguiria nenhuma mudança de atitude, voltou aos assuntos profissionais, enquanto degustava a sobremesa: "Dois livros alemães de poesia chegaram hoje pela manhã, e o editor novamente pediu para que traduzisse. Vai negar?" O rosto de Jorge empalideceu, nunca traduzira nada do alemão, apesar da insistência do editor. "Eu te conheci no curso de alemão, quantos anos nós tinhamos? Dezessete? Sim! Você falava alemão melhor que a professora, nunca entendi sua dedicação extrema a essa língua! Esqueceu a língua de Nietzsche?" Jorge, irritado, bateu com força o garfo sobre o prato e olhou para o amigo, as pessoas ao redor olharam disfarçadamente: "Já disse mil vezes que não traduzo do alemão. Esta é a sua parte do serviço, foi assim que combinamos e assim que vai ser!" Olavo resolveu se calar e terminaram em silêncio a sobremesa que logo foi seguida do café e um cigarro na calçada do restaurante. "Pense na questão de tradução das notícias. Posso organizar um grupo de tradutores e te passar algumas notícias quando estiver afim de ganhar um dinheiro extra. Sei que fará isso de olhos fechados!" Os dois se abraçaram, desta vez Jorge apertou o amigo com sinceridade. Desceu a rua e em frente ao café uma multidão se aglomerava em volta de dois carros da polícia. Teve que dar a volta na multidão e viu o perseguidor do menino de rua encostado no carro sendo algemado e recebendo voz de prisão, o menino estava no chão coberto por uma manta branca que não cobria a poça de sangue de sua cabeça. Desceu mais algumas ruas e finalmente encontrou seu carro.
Chegando no apartamento parou o carro próximo da portaria, abriu a porta do carro e sentiu-se tonto ao colocar o pé esquerdo para fora. Se concentrou por alguns segundos e a vertigem passou. Foi até a portaria e pegou sua correspondência, ignorando o comentário do porteiro de que estava pálido. Voltou ao carro e estacionou em sua vaga logo a frente de seu bloco. Abriu a porta com cuidado, mas não se sentiu tonto novamente, pegou suas coisas no banco de trás e subiu os dois lances de escada que davam em sua porta. Novamente teve uma tontura, olhou para a porta envernizada e talhada com um cavalo, bateu com as mãos nos bolsos para procurar a chave não encontrou nenhuma, olhou para si mesmo e se viu rapaz, sabia que a porta estava destrancada, sua mãe jamais passaria a chave no trinco enquanto um filho estivesse fora de casa.  Abriu a porta e olhou para a ampla sala de estar branca e viu sua mãe deitada no chão, dos seus pulsos corriam sangue e a seu lado estavam um livro e uma carta. Chacoalhou a mãe, mas ela não respondia. Não sentiu o mesmo desespero de quando jovem, era a primeira vez que teve que entender o que significava a morte, sentou-se ao lado do corpo e pegou o livro e leu o título: Jenseits von Gut und Böse: Vorspiel einer Philosophie der Zukunft, depois recolheu a carta e a abriu, não entendia alemão. A vertigem logo passou quando percebeu-se sentado no sofá de seu apartamento. A mochila estava jogada num canto e as correspondências espalhadas ao seu lado. Lembrou-se que somente aprendera alemão para poder ler a carta que sua mãe havia deixado, ninguém sabia da sua existência, escondeu o livro e a carta  enquanto seus familiares levaram sua mãe para o hospital. Dedicou vários anos no aprendizado daquela língua e somente teve coragem de ler o livro e reabrir a carta depois de receber o diploma do curso de línguas. Leu o livro em uma noite e pela manhã tinha em suas mãos a carta traduzida. Sua primeira e última tradução do alemão. Foi naquele momento que havia decido construir seu primeiro castelo de areia sobre as dunas. Intermitentemente construído, seus castelos não se desfazem como uma ilusão, somente se movem ao sabor do vento. Nenhum sentimentalismo poderia atingi-lo, era dono de si e não permitiria que nenhum ser humano atrapalhasse sua vida pacata.

Uma memória

Alfredo sentia-se um pouco ansioso pela noite, havia algumas semanas que não saia de casa com os amigos. Sua mãe podara suas saídas noturnas, vexames alcoólicos. Certamente alguém perguntaria porque ele havia sumido... A memória das pessoas é fraca, se não é visto não é lembrado, se não é lembrado torna-se uma espécie que corre o risco de desaparecimento, era o que pensava enquanto entrava no carro de Gilberto. Seu amigo fazia questão de ser lembrado a todos os momentos, cumprimentava e mantinha-se a vista de todos, sua alma dependia do cerco dos amigos, conhecidos e desconhecidos, tanto que seu carro estava lotados deles e dos pseudos. Sereno centro das atenções não precisa de muito para chamar a atenção, rodeado de intenções qualquer que fosse sentia-se visível.
Sua chegada sempre apoteótica fazia dos que o rodeavam o seleto grupo da noite o qual muitos desejavam participar e integrar. Sua entrada era anunciada antes de se aproximar da porta, por vozes, murmúrios e assovios, olhares, desejos e apreciação. Não precisavam enfrentar qualquer tipo de fila... entravam pela porta aberta pela comunicação bem elaborada, pelos contatos e favores intencionais trocados ou a serem trocados. Alfredo não gostava muito desse despudorado glamour que envolvia a pessoa de Gilberto, mas não tinha outra opção, fora para ele que Gilberto havia ligado em primeiro lugar. Alfredo era o único que entendia e sabia da grande carência afetiva que este centralizador de atenções vivia. Decepções acumuladas pelas diversas pessoas que o rodeavam, somente Alfredo, que não exigia nada e nada fazia decepcionar, era mais que um amigo, era um ombro onde sua cabeça poderia recostar naquelas horas que nem toda a multidão do mundo pode serenar.
Entretanto, Alfredo percebeu uma presença esvanecida, quase em extinção. Ele estava alí, segurando uma lata de cerveja em uma das mãos e na outra estava um cigarro pela metade. Era um homem de tamanho médio, magro, pele branca e pêlos e cabelos muito negros. Chamava a atenção por ser atraente, mas não estava rodeado de amigos ou apreciadores, estava sozinho... Como alguém pode estar sozinho em uma festa? A festa não existe para reunir, celebrar e preencher o vazio que está nas pessoas? Ele provavelmente deveria estar alcoolizado. Sozinho e bebendo, já deveria estar alto e pronto para dar algum vexame, lembrava de si mesmo semanas atrás.
Observador e curioso, Alfredo que não o conhecia, apontou-o perguntando ao amigo quem era. Gilberto começou a descrevê-lo: "Antônio era uma pessoa única, inteligente e sagaz... Os comentários que ele fazia eram mordazes, mas mesmo assim simpáticos. Era uma pessoa incrível!" Alfredo continuou perguntando e obtendo mais e mais informações (im)precisas sobre aquele por quem havia se interessado numa multidão bela e alcoolizada. Todas as perguntas era respondidas como se Antônio não estivesse ali. Perguntou a Gilberto se não iria cumprimentá-lo que prontamente respondeu não, provavelmente porque não gostava muito da inteligência perturbadora de Antônio. Deve ter se ofendido com o simpatia mordaz, amenizou Alfredo. Ele, entretanto, não desistiu, continuava a observá-lo de longe, quem sabe seus olhos não se cruzassem. Viu que alguns se aproximavam, perguntavam algo, apertavam suas mãos, trocavam mais duas palavras e logo iam embora. A cada uma dessas aproximações seu coração se apertava. Era medo de perdê-lo, mesmo sem conhecê-lo. Jaqueline tapou os olhos de Alfredo pelas costas para que advinhasse quem era. Depois de algumas gargalhadas, logo descobriu a amiga. Ele prontamente perguntou se ela conhecia Antônio: "Um menino dos cabelos negros?" Óbvio, só faltava Alfredo apontá-lo, "Acho que vi ele numa dessas redes sociais estes dias, não lembro qual!" Como poderia lembrar? Eram tantas e com tantos objetivos e outras até mesmo sem objetivos na busca de associar os homens sem os associá-los. Com uma leve irritação ele apontou o rapaz de cabelos negros com o dedo-não-é-aquele-ali, e ela se chocou, "Como Antônio era gente boa... Sempre estava rodeado de amigos e todos estavam sempre rindo de alguma tirada espirituosa. Ele não mudou nadinha!" O passado utilizado para com Antônio começou a perturbá-lo. Ele não estava ali? Era como se as pessoas só lembrassem dele, como se ele estivesse morto. Depois do completo desaparecimento, da extinção de sua espécie somente restaria o fantasma da espécie, sua memória. Seria Antônio um fantasma que somente Alfredo poderia apreciar? Seria sua carência que criara um espectro para poder ilustrar a noite? Convidou a amiga para cumprimentá-lo e ela, tímida, aceitou: "Você não é Antônio?" Ele respondeu sim meneando a cabeça, ela estendeu a mão e ele também, chacoalharam-nas como desconhecidos. Ela só esquecera do fato de apresentar Alfredo e se virou dirigindo-se para o bar dizendo: "Como ele era interessante!"
Por segundos, duvidou da inteligência da amiga, mas não havia desistido, permaneceu ali, acendeu um cigarro e novamente observou Antônio, ele ainda segurava sua latinha de cerveja e o cigarro dele pela metade na outra mão, desta vez observou os óculos de grau modernos que ele usava e imaginou o que se passava em sua cabeça, ele olhava vagamente para as pessoas que também estavam ali fumando. Alfredo acreditou que não estava relembrando as pessoas, mas que estava extasiado em pensamentos próprios, uma lembrança pessoal quem sabe.
Mais uma pessoa se aproximou dizendo seu nome em forma de pergunta. Ele prontamente respondeu dizendo o nome do  interlocutor que se assustou com sua memória, por segundos de silêncio ousou fazer uma pergunta e não ir embora como os outros: "Por onde andou?" Explicou que estava viajando, e fora interrompido quando provavelmente iria falar por onde esteve, o lugar não interessava, queria saber exatamente quanto tempo ficou fora: dois anos, a resposta foi rápida. Para onde poderia ter ido? Para o exterior? Para São Paulo? Ou Rio? Fazer o quê? Um curso? Passear? Conhecer a Europa? Ou mesmo a África.. Será que viu as Pirâmides? Já poderia ser um assunto em comum entre os dois. Levou no rosto a brisa marítima da história? O interlocutor não havia perguntado mais nada, despedirasse alegando que os amigos o estavam esperando no bar. Despediram-se.
Ali Antônio permaneceu, bebeu mais um gole, deu um longo trago no seu cigarro pela metade. Alfredo hesitou por um momento e suspirou voltando para o lado de Gilberto e contou o que havia descoberto sobre o rapaz. Ele não se interessou muito, certamente achou que estava perdendo sua atenção costumeira para o fantasma encostado num canto da área de fumantes, e pediu que lhe buscasse mais uma dose de vodka, já estava ficando são demais para o ambiente. Pela simples motivação de atravessar o local resolveu atender ao pedido e olhou profundamente nos olhos de Antônio, castanhos claros, pareciam que poderiam matar somente com o olhar, mas estes olhos não fitaram Alfredo nem por um instante, ainda estavam vagos e envoltos na fumaça da própria metade de cigarro. Comprada a bebida de Gilberto retornou e olhou para o canto em que deveria estar Antônio e não o encontrou. "Você viu o Antônio?", Gilberto balançou a cabeça como se seu amigo estivesse falando de um estranho. Alfredo entregou-lhe a vodka olhando-o com desprezo e resolveu dar uma volta pela festa para ver se encontrava aqueles os olhos castanhos, estava decidido a falar com ele.
Todos falavam tão bem dele e de sua sagacidade, e isso justamente o encantava, definitivamente queria conhecê-lo e o faria por si mesmo. Rodou e procurou por todos os cantos. Não, ele não estava mais lá. Como todos poderiam gostar tanto dele? Não, não gostavam dele, gostavam da memória dele, só se referiam no passado. E por que todos insistiam em falar "era" ou  "foi"? Ele estava ali! Deveriam tratá-lo utilizando o presente: é. Mas não usavam ou porque ele mudara ou porque realmente não estava presente, o passado pertence aos mortos, pensava Alfredo. "Ele deveria ser realmente uma pessoa interessante de se conversar", chacoalhou a cabeça afastando estes pensamentos. Era óbvio que estava ali, o vira e quase chegou a cumprimentá-lo se não fosse a falta de tato de Jaqueline. Parou e erregalou os olhos ao perceber que já estava se referindo a ele no passado, abaixou a cabeça, cometia uma injustiça dupla, não o conhecera e nem tivera mesmo a oportunidade de torná-lo uma memória.

. - iamamiwhoami (tradução)


Eu sou o fogo, sou a dor e o dano,
sou um exército determinado a controlar cada tique-taque, 
sou um gigante pisando neste minúsculo mundo em que vive.
E você se estremece e se agita
à medida que o teto despenca
e as paredes desmoronam.

A sombra se mostra, escurece o rio,
petrifica os corações.
Corremos, corremos amedrontados.
O que foi que você fez?
É assim que tudo acontece...
É como acontece.

O pânico nunca foi tão excitante!
O que sentem em seus corações por nós foi certamente não correspondido.
E eu me estremeço e me agito
à medida que estraçalho pele e ossos.
Consegue resolve o enigma?

A sombra se mostra, escurece o rio,
petrifica os corações.
Corremos, corremos amedrontados.
O que foi que você fez?
É assim que tudo acontece...
É como acontece.

y - iamamiwhoami (tradução)


Ó esperança, casebre celestial,
venha e nos salve desta terrível verdade.
Ó esperança, nascida da necessidade,
que todas as coisas boas possam ir até você.

Ó espectro, tão inocente e despreocupado,
eles nunca deixarão de te caçar.
Ó voz, a vida tem o que há de melhor em mim
e a água que nunca deixará de correr te aguarda.

Ó esperança, cante a canção flamejante,
e seja somente isto que é:
Esperança, esperança, esperança. Cante a canção flamejante!

É a maneira que se move.


Ó esperança, cante a canção flamejante,
e seja somente isto que é:
Esperança, esperança, esperança. Cante a canção flamejante!


Ó esperança, e a canção é o silêncio
de sua mente, é o sonho mais obscuro.
Ó esperança, ó esperança, cante a canção flamenjante.

Tenho visto a verdade e não se parece nada com o que me contou...
Veja a pintura do mundo perfeito!
Agora você pode tocar o fim da minha demanda.
Há muitas perguntas, e muitas delas permanecem sem resposta.

t - iamamiwhoami (tradução)


Além desta hipocrisia, voltamos
milhões de anos onde tudo começou.
Lá, há uma estação
para o salvador de mais puro coração.
Permita que ele embarque com você.

Existe um mundo novo logo abaixo dos seus pés.
Construímos um exército do vazio e
inventamos nossas crianças para batucar
nesta cômoda batalha.

Antes da escuridão,
Seguimos contra nossos caminhos e sentidos,
agora somos contra nossas próprias crenças... até achar a cura
e outro caminho para dentro desta profunda vala.

Por trás das inseguranças
Há um muro de confiança.
E ela é sua pior inimiga,
Luta suas batalha por ninguém.

Existe um mundo novo logo abaixo dos seus pés.
Construímos um exército do vazio e
inventamos nossas crianças para batucar
nesta cômoda batalha.

Escute, eles estão cantando por um novo começo.
Você deveria saber...
A água enche seus pulmões e ela está se afogando.
Você deveria sentir...
Sob as estrelas seu corpo está afundando.
Você deveria saber...
O ar é o silêncio, não há som algum.

Você guiou minha vida, agora pegue-a de volta.
Nós te fizemos cantar, agora retorça os relógios.
Havia um porém ou algo novo.
Jogue meu corpo contra as estrelas
onde os anjos possam me observar.


Escute, eles estão cantando por um novo começo.
Você deveria saber...
A água enche seus pulmões e ela está se afogando.
Você deveria sentir...
Sob as estrelas seu corpo está afundando.
Você deveria saber...
O ar é o silêncio, não há som algum.