A porta de seu quarto sempre estava fechada. Mas algumas batidinhas secas e ritmadas nunca deixavam de perturbar o peso natural que se arranjava ali dentro. Já era possível ouvir alguns passos como a caminhar sobre uma grama espessa, e por fim o destrancar da porta. A luminária não era suficiente para manter o quarto iluminado, permanecia numa penumbra insistente. "Meu filho, abra essa janela para ventilar um pouco o quarto! E me passe sua roupa suja, agora!" Os olhos do rapaz não se sobresaltaram, simplesmente se ergueram a altura do rosto da mãe para novamente visar o chão. Quando ele se voltou para buscar suas roupas, ela deu uma olhada perscrutadora pelo quarto. A quase-escuridão não permitia distinguir uma sombra da outra, mas tudo estava lá. Sob os pés da cama, raminhos de uma grama escura. O guarda-roupa marrom estava manchado pela presença de líquens de variados tons de verde. Sob sua mesa de estudos, o canto mais escuro do quarto, foi onde ela se assustou, conseguia somente distinguir um par de olhos fendados. Entretanto, não teve tempo para expressar seu choque, as roupas já estavam ali, meio úmidas, meio mofadas. "Vou limpar seu quarto mais tarde!" O aviso teve um tom de ameaça.
Ele não entendia essa mania de limpeza de sua mãe. A casa tão alva, com as paredes brancas, o piso reluzente, e os móveis todos em tons pastéis davam um ar pasmacento para o lar. Ele não se importava a ponto de reclamar... Passava quase todo o tempo dentro do quarto. Ali, sim, era onde reinava soberano. Com a porta e as janelas fechadas e tapadas pelas grossas cortinas de jacquard, não havia necessidade de luz, o ambiente não deveria ser fresco, mas soturno. O peso que a falta de luz produz é exatamente o necessário para que ele pudesse criar. Era tal qual um musgo, muita luz e muita ventilação retiravam dele a força necessária para viver, absorviam toda a sua energia e murchava.
Nas últimas férias de verão praticamente definhou tamanha a luz e a força da brisa marítima. Deitava-se na areia todo emplastrado de filtro solar e demorria horas a fio. Sua mãe o chacoalhava, sem êxito, até que ele mesmo poucos segundos antes da morte, reanimava-se a corria para dentro do quarto do hotel, um banho gelado e o pouco contato com seus familiares o recuperavam. É claro, até descobrir o mangue que havia não tão distante dali. Em meio a lama e a sombra das árvores sentiu-se a salvo, poderia viver ali por decênios sem precisar de ar ou até mesmo comida. O cheiro mórbido era capaz de mantê-lo inteiro e existindo. Suas ideias nunca fluiram tão bem quanto naquele lugar. Entretanto, as férias sempre um dia terminam e teve que voltar para sua casa fluida e leve.
Sem sua energia formada pela fusão de fungos e algas não poderia pensar ou criar. Seus pensamentos ansiavam pela simbiose de organismos diferentes para poder gerar algo novo e que realmente se suplementasse. Era o que sua mãe não entendia. A cada limpeza do quarto era como se todas as ideias fossem embora, novamente precisando ser incubadas por um longo tempo, sorvendo a rala força da escuridão e absorvendo aos poucos a umidade da atmosfera por vezes rarefeita.
Os dedos de sua mãe tremilicaram antes de tocar o interruptor de luz, ante a ansiedade de ver tudo aquilo sob a luz mesmo que artificial. Seria o que garantiria a ela a entrada no quarto para poder alcançar as janelas. Onde estariam aqueles olhos fendados? A cortina cedeu não sem resistência, e o ambiente parecia violentado por uma vontade indiscreta. Alguns musgos e líquens se desfizeram como um toque de mágica pelos raios solares. A cabeça dele parecia esvaziar. Vassoura, balde, rodo e pano. As mãos trabalharam com uma urgência indeterminada. Era necessário livrar-se daquele ar tóxico que com certeza não faria bem ao seu filho, aquela ausência de vida era o que tornava-o apático e desmotivado. Finalmente, embaixo da cama era o único lugar em que seu pano purificador ainda não tinha tocado. A luz hostil da janela ou da lâmpada insistentemente não atingia ali, mas a vassoura e o rodo tinham um longo cabo para esse tipo de serviço. O vassoura penetrou embaixo da cama como se estivesse furando uma gelatina, ela não estranhou, pensou na resistência da escuridão. Todavia, na terceira ou quarta estocada contra a escuridão, a vassoura não queria voltar. Puxou com muita força, força esta que somente certas mães possuem, mas mesmo assim perdeu a vassoura na escuridão. Invencível, ela não desistiu, pegou o rodo, encharcou o pano com desinfetante e voltou ao seu trabalho, desta vez o rodo voltou sem sua base, o cabo havia sido mordido por dentes fortes e afiados.
Corada, resolveu ajoelhar-se há uma certa distância para entender o que se passava embaixo daquela cama. Apertou os olhos como se aquilo torna-se sua visão mais aguçada e empalideceu, ali estavam os olhos fendados e um sorriso mórbido de boas-vindas. Muda, entendeu o que se passava ali. Pegou o resto de seu rodo, sua vassoura e o balde e seguiu para a enorme lixeira da área de serviço. Estava decretada a Era dos Línquens, Musgos e Gosma. A falta de vida no quarto de seu filho era aparente, ali reinava um mundo não novo, mas diferente de ideias que ela aprendeu a admirar, a vida do lodo, a existência a partir dos gases tóxicos. Fungos e algas agora se uniam no meio da sala-de-estar formando desenhos indistintos, da mesma forma que mãe e filho agora formavam um único simbionte criativo. Novos pensamentos circulavam pela sala juntamente com aquele ar úmido e pesado.
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