marcuss olhou para o cesto de roupas sujas no banheiro: uma montanha inescalável de roupas já se fazia. Era necessário lavá-las. Este momento não era tão injusto assim, já que representava um rito que lembrava a mãe. Pegou o cesto de roupas seguiu para a área de serviço de sua casa e lá, separou cuidadosamente as roupas brancas das coloridas. Resolveu que iria lavar primeiro as brancas, havia uma necessidade, e ela primeiro deveria ser alimentada. Colocou cada peça dentro da máquina de lavar, e os lençóis brancos foram cuidadosamente colocados na máquina a maneira de um corpo morto que mereceria cuidados especiais. Uma impaciência tomou conta dele ao apertar o botão de iniciar do processo. Acendeu um cigarro enquanto sentava-se ao lado da máquina e abriu um livro de poemas, era ali que deveria permanecer durante todo o processo, sua mãe não estava mais ali para ambos se entreterem durante todo o acontecimento, o livro fazia as vezes da mãe, às vezes insatisfatoriamente, as vezes perfeitamente. Não entendia como isso acontecia, entretanto o livro para se lavar roupas tinha que ser um de poesia. Sentado, ele declamou os primeiros versos para as vassouras que se aninhavam junto com o rodo, que permanecia imóvel perante a beleza das palavras ritmadas. Era um insensível. Em poucos instantes, não somente as vassouras assistiam ao escritor, mas todo o conjunto de prendedores de roupas, o sabão em pó, a esfregão e o balde. Delicadamente todos se postavam ali com os ouvidos abertos e escutarem passivamente as palavras que pulavam da boca de marcuss. Não tinham dúvida quanto a qualidade do poema, somente duvidavam da sinceridade dele ao recitá-los lentamente fonema por fonema. Nem mesmo o heroísmo da máquina trabalhando, recebendo a água ou a expulsando dentro de si ao expurgar dali todo o mal que a sujeira representava atrapalhou o declamar dos poemas. Algumas vezes levantava, quando o poema merecia, por muitas vezes se calava, o poema havia lhe atingido e somente o chacoalhar da máquina era audível a ritmar as batidas de seu coração agora acelerado. Depois de alguns instantes o mutismo morria, havia se recuperado e voltava ao processo recitatório que o lavar de roupas exigia, a guisa de rito materno. Sua mãe não precisava de livros, simplesmente colocava o pequeno marcuss no colo e começa a cantá-los de cabeça. Começa com pequenas quadras, passando por sonetos até chegar às glosas, as quais amava. Porém, sempre encerrava com longos e não rimados poemas, como a demonstrar que sua memória não se utilizava dos mecanismos normais do declamador das rimas. Ele permanecia ali passivamente com os ouvidos aberto ao lado das vassouras e dos rodos, pois na casa de sua infância havia muitos rodos, de todos os tamanhos, naquela época eles eram bem mais sensíveis do que aquele rodo ali de sua área de serviço. Quando a mãe termina um desses poemas que o calavam, ela simplesmente roçava o dedo mindinho no canto dos olhos a impedir que a lágrima pudesse ser observada pelos espectadores. marcuss não chorava, não se permitia, não na frente daquele rodo. O silêncio bastava, criava um clima demais pastoso. Sua mãe era forte o suficiente para se permitir chorar na frente de todos os rodos e mesmo assim sem abalar sua imagem. A lágrima era parte vital da performance. Não existia poesia sem lágrima, como não existia poesia para ele sem os silêncios. Cada um ritualiza da maneira mais confortável. Ele sabia que a máquina havia terminado seu serviço quando as vassouras prorrompiam em aplausos, seguido de todos os outros expectadores, que só entendiam que tudo havia terminado porque somente as vassouras tinham sensibilidade suficiente para perceber que tudo havia acabado. Entretanto, o rodo permanecia imóvel. Insistentemente fingia não ter ouvidos. marcuss não se importava, precisava estender os lençóis brancos, corpos mortos revividos pela água e o processo mágico da máquina de lavar. Havia ainda o rito para se completar. Não, e esse rito não era declamar poemas para os amigos da área de serviço, era apenas uma lembrança da mãe que entretinha um filho pequeno enquanto cumpria suas obrigações domésticas. Os lençóis foram estendidos no lugar em que o sol era mais forte e o vento passava mais insistentemente. Era necessário que secassem antes de as roupas coloridas terminassem de ser lavadas. Alguns prendedores se entristeciam pois não veriam a segunda parte dos poemas, onde versos mais longos e sem rimas seriam declamados com mais ardor, ficavam imaginando o escritor não de pé, mas em cima da cadeira, evocando as forças dos versos livres.
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