Você já abriu os olhos com a certeza de que estava louco?
As pessoas vestidas de branco arrombam a porta de seu quarto. Entram aos montes. Ocupam todos os espaços vazios. Você está paralisado na cama e os vêem mexerem nas suas coisas...
- Onde estão suas meias?
Na gaveta do meio. Ou:
- Documentos?... Ops! Esqueci você não vai mais precisar deles.
Quem é você sem eles? Quem é você com eles? Uma picada. Tudo começa a ficar embaçado e você não sente as pontas dos dedos dos pés.
Da cama para a maca. Tudo vai perdendo as cores lentamente. Um, dois e três. Movimento. Sirene. Velocidade. Tensão.
- Cuidado com aquele carro!
- Mais rápido aí, o paciente está perdendo o sentido.
Parada. Luzes. Corredor.
- É urgente, doutor. Ele precisa da injeção.
Sala. Luz. Seringa. Injeção? Agulhada.
mergulhar no céu sempre foi o sonho da sua vida olhar e planar com as gaivotas lado a lado e brincar nadando de costas ah agora você entende o nado borboleta fora da água ele não leva a lugar algum mas é uma pena que o céu não tenha cobertura quando vem uma tempestade nem seja aquecido no inverno uma coisa é certa o céu ficando escuro e trovejando dá medo isso é verdade torrencial tempestade de medo cai do céu e enche a vida de gélida necessidade e lá vem a enxurrada levando tudo você gaivotas cores e até os medos
Suspiro. Piscadela.
- Bem-vindo de volta.- Colete branco, cama branca, coberto branco, janelas brancas, teto branco, paredes brancas, copo branco, jarras brancas, tudo a sua volta é branco - Este é seu novo quarto. Ele é um pouco branco, eu sei, mas como você vai ficar por aqui um bom tempo, você pode pegar aquele giz de cera e usar a sua criatividade. – Risada indescritivelmente branca...
Tenta levantar, mas seus braços e pernas estão amarrados na cama.
Entra pela porta a enfermeira rolando de tão gorda e te alimenta com todo o resto batido no liquidificador. Você regurgita e ganha um belo e cinematográfico safanão, é claro em câmera lenta (será que dói mais?):
- Menino feio!
O pior é que você está bem coberto dos pés até a esquina do pescoço. As cortinas brancas estão sendo lavadas e o ar condicionado está em reparo. O Sol perfeito reinante de uma tarde quentinha faz com que a sala inteira derreta. O teto pinga e escorre pelo cobertor.
Você grita todo molhado de suor. E entram dois musculosos e sem-camisa enfermeiros.
- A injeção, doutor! Ele está delirando!
Não adianta gritar um não de dez segundos. Doutor. Seringa e agulhada.
dançar com os quadros de Matisse é poder tocar o desconhecido com a ponta dos dedos ciranda para cá ciranda para lá cair de tanto girar é o mais gostoso a tinta viscosa suaviza a gravidade mas ao se usar muita tinta é possível se afogar e sorver a própria morte falando nela acho que é ela que se aproxima
Seu braço parece uma peneira. Doutor e agulhada não têm tempo para tratar. É melhor te deixar assim e não ter pressa, você vai ficar por aí muito tempo mesmo.
Você pode sofrer o que for, pode delirar o que quiser. Ser louco nesse mundo é uma solução.
Mas uma coisa é fatal, sempre é. A certeza. Com injeção ou não ela chega.
Bate na porta, porque é educada, entra, senta. Abre o livro negro e diz, com uma voz esganiçada:
- Orgulho, vaidade, sensualidade e egoísmo! Ah! E é claro a loucura! Você vêm comigo, não há salvação!
E assim vai. Cobrem seu rosto, dão baixa na ficha no mês seguinte, para fazer uma festa com o dinheiro desse mês.
Solução ou não você está livre. Livre dos homens, livre dos anjos. No inferno você é ainda você, sem documento e fazendo o que gosta.
Pena que o louco aqui é você e não eu. E eu ainda estou dormindo, doido para acordar.
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